segunda-feira, 15 de junho de 2015

Carta à Mãe Que Grita


Mãe Que Grita.

Eu sei que a vida por vezes é difícil, que as preocupações e frustrações são muitas e constantes. Que engolimos sapos, uma e outra vez. E que por tanto sopapo apanhar, mostrando-nos fortes, acabamos por explodir com coisas que não valem nada. É a gota que faz transbordar o copo. E frequentemente, os responsáveis por essa gota são os nossos filhos. 

Dizemos-lhes então o que não dissemos ao chefe, ao colega mal humorado, ao condutor agressivo, ao marido implicativo, à sogra inconveniente, e a quem realmente merecia ter ouvido "algumas verdades". A corda rebenta pelo elo mais fraco, sendo que mais fraco são aqueles que mais amamos. Porque disso não tenho dúvidas.

No calor da discussão dizemos aos filhos coisas muito más, numa conversa que não passa de monólogo, pois nem sequer os ouvimos realmente. A acusação de banalidades fortalecesse com o nervosismo que os outros nos causaram. E dizemos palavras que marcam, fazemos ameaças, exigimos mudanças, agredimos com comentários humilhantes.

Há pessoas que ainda acreditam que insultar alguém, rebaixando as suas capacidades, é estratégia vitoriosa para levar o outro a mudar. Essa técnica de Psicologia invertida resulta raramente, aliás no que respeita à educação, a estratégia do comentário positivo é o caminho certo.
E por vezes, não é tudo isto dito de uma só vez, repetem-se as palavras durante muito tempo, como se a cassete rebobinasse e voltasse a passar automaticamente. Porque a raiva vai ganhando força e persiste em ser verbalizada, ao invés de apaziguar-se, depois de ser dita. E a palavra queima, e marca a alma da criança, como ferro em brasa. Que cliché!  Mas não por isso menos verdadeiro, é o terror. 

Não julguemos nós que o que foi dito, por não ser referido novamente, esquece e caí numa espécie de limbo. Não esquece quem fala, consumido frequentemente pela culpa, e não esquece quem ouve, minado desde o interior, em sua auto-estima, confiança e amor-próprio.
No momento, a criança promete o que lhe é possível prometer à Mãe Que Grita, para que pare. Se o faz é mais por medo do que por amor, e sentido de fazer o que é certo. 
Que seja por medo, dizem certas mães, desde que façam! Eu sei, já as ouvi. Se é uma dessas mães, continue comigo. 

Se é por amor e respeito que pretende educar, como se deve, até para que um dia também possa ser tratada do mesmo modo, e não como tarefa desagradável que se faz por obrigação, siga-me. É científico, Einstein afirmou: se atirar uma bola azul à parede, receberá de volta uma bola azul. 
Não pense que atirando uma cinzenta recebe uma bola amarela.

Faça um mea culpa. Não permita que um voto tácito de silêncio enterre nas profundezas os seus gritos, e a resolução do problema. O silêncio é cama de rancor e amargura.
Vai doer? Vai, mas depois cura. Assuma que não deveria ter gritado, nem dito as palavras que disse; que está arrependida. Que sabe que a magoou e por isso lhe perde perdão. Que nem sequer pensa o que disse. Que aliás, acredita exactamente no oposto; no valor da criança, nas suas capacidades. Explique porque se sentiu descontrolada. Porque é disso que se trata.

Provavelmente, quando criança também falaram assim consigo, e a culpa não foi sua. Provavelmente, se conversar com a sua mãe, também ela lhe contará como foi tratada pela mãe dela, e perceberá que a culpa não é de ninguém; vem de longe, transversal a gerações, sabe Deus onde terá começado. 
Recorde a menina que foi; do medo que sentiu, da solidão e do sofrimento. Talvez até se recorde de como desejava que fosse diferente. A empatia pode alavancar a mudança.
É que sua geração pode ser de viragem; todos temos oportunidade de quebrar padrões familiares, e começar a fazer melhor. A fazer história, a nossa história resgatada. Apresente a menina que foi à criança, partilhe com ela a sua dor infantil; a compaixão e generosidade da criança vão espantá-la, mas também reconfortá-la. Vai ganhar fôlego para fazer melhor, para ser melhor. Porque é isso que todas as mães querem, fazer o melhor pelos seus filhos. Infelizmente, querer não basta e por vezes o nosso melhor é mau, é insuficiente, magoa.

Nós somos humanas, falíveis, repletas de defeitos, e as crianças sabem-no, nem sequer vale a pena escamoteá-lo. Temos isso em comum, mas ao não o assumirmos, e nos colocarmos num altar de  impiedoso julgamento, cavamos um fosso intransponível entre a nossa humanidade. 

Mãe Que Grita, os filhos são o elo mais forte. É a eles que vamos buscar força e inspiração para enfrentar os problemas da vida, o chefe, o trânsito, e as preocupações. E é por eles que gritamos!